Desfiando o novelo ficcional: Lúcia Miguel Pereira e a representação do cenário político

Edwirgens Aparecida R. Lopes de Almeida

Resumo


Resumo: Reconhecida por seu trabalho como crítica literária, Lúcia Miguel Pereira é pouco conhecida como romancista. O presente estudo tem o propósito de ‘apresentar’, de modo sucinto, as três narrativas de ficção Maria Luísa, Em Surdina e Amanhecer publicadas na década de 30 tendo em vista a vinculação da ficção aos acontecimentos daqueles tempos e, sobretudo, ao espírito ideológico predominante naquele contexto. Se a crítica literária contemporânea dos anos 30 reconheceu, na literatura nacional desse período, duas vertentes de escrita, a literatura social ou proletária e a literatura intimista ou psicológica, este estudo pretende ainda discutir a observação de Jorge Amado que acusa a autora de produzir romance engajado, subordinando conscientemente a criação a uma doutrina. Frente a esse apontamento do escritor baiano, notamos que, mais relevante que a vinculação da autora ao pensamento de direita ou de esquerda é o trabalho de representação de aspectos muito sutis da condição política e social daqueles tempos que foram ‘recriados’ pela autora, e transformados em elementos internos conduzindo a trajetória das personagens, principalmente femininas, e configurando, dessa forma, a razão de ser, sobretudo da obra Em Surdina. Se, para Jorge Amado, esses aspectos impediram o desenvolvimento da narrativa, a nosso ver, eles revelaram inquietações, anseios e temores femininos que integraram tanto a ficção quanto a crítica de Lúcia Miguel Pereira, dando forma assim a uma escrita intimista bastante coerente com o discurso predominante. Sendo assim, por vezes, a leitura dos relatos de ficção conduzem a uma revisão da subjetividade da autora associando-a àquelas subjetividades construídas em suas ‘criaturas de papel’.
Palavras-chave: Ficção; história; crítica; década de 30; mulher.

Abstract: Recognized for her work as a literary reviewer, Lucia Miguel Pereira is little known as a novelist. The present study aims to ‘present’, succinctly, the three fiction narratives Maria Luísa, Em Surdina e Amanhecer, published in the 30s, in order to link the fiction to the events of those times, especially, to the ideological spirit prevailing in that context. If the contemporary literary criticism of the 30s recognized, in the national literature of that period, two lines of writing, that is, the social or proletarian literature and the intimate or psychological literature, this study also intends to discuss Jorge Amado’s observation which accuses the author of producing novels inspired by personal interests, thus consciously subordinating the creation to a doctrine. Considering that remark by the writer from Bahia, we note that more relevant than the author’s bond to conservative or liberal thought is her effort of depicting very subtle aspects of political and social condition of those times which have been ‘recreated’ by her and changed into internal elements, leading the characters’ path, especially the female characters, and, therefore, setting the reason for being, mainly in the work Em Surdina. If, for Jorge Amado, those aspects have hindered the narrative’s development, in our view, they have revealed concerns, anxieties and women’s fears, which had made part of Lucia Miguel Pereira’s work, both in the fiction and in textual criticism, thus shaping an intimate written style quite consistent with the prevailing discourse. So, at times, the reading of the fiction narratives lead to a revision of the author’s subjectivity, by associating it to those subjectivities which have been framed in her “paper creatures”.
Keywords: Fiction; history; criticism; decade of 30; woman.


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DOI: http://dx.doi.org/10.17851/2238-3824.18.1.123-145

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