APRESENTAÇÃO: OS INTELECTUAIS E O PAPEL DA CRÍTICA

Myriam Ávila

Resumo


Vivemos um momento em que os intelectuais parecem, ou ter-se calado, como sugere o título do ciclo de debates que resultou na publicação de O silêncio dos intelectuais(2006), organizado por Adauto Novaes, ou não encontrar mais ressonância para sua voz em meio à vertiginosa proliferação de apelos simultâneos à atenção do público nos meios de comunicação tradicionais e virtuais. Nesse contexto, a crítica enfraquece-se ao ponto de, quando exercida, incorporar-se inevitavelmente aquilo que Vilém Flusser denomina “conversa fiada”, perdendo toda a capacidade de polemizar, conclamar à ação, congregar ou polarizar opiniões, no campo político e social. É o que sugere Vladimir Safatle em Cinismo e falência da crítica (2008). No campo da cultura e, mais especificamente, da literatura, a crítica ressente-se da impossibilidade de estabelecer parâmetros e definir princípios valorativos. O reconhecimento da validade plural dos bens de identificação de cada agrupamento social, da parcialidade do olhar crítico e dos componentes afetivos, históricos, contigenciais de cada instância de recepção das artes e dos discursos que as conformam desencorajam o exercício da crítica radical e do posicionamento intelectual. Partindo do princípio de que não se trata de lamentar essa situação, mas de enfrentá-la com todo o rigor de um pensamento afiado, reúnem-se aqui seis jovens pesquisadores brasileiros em torno dessa questão, em um colóquio que vai desde uma avaliação mais ampla do contexto e suas implicações até o exame de um caso ou “nó” específico dessa intrincada rede de estímulos e reações que é a contemporaneidade. Os textos que compõem este dossiê nasceram de um seminário do Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários da Faculdade de Letras da UFMG, durante o qual foram travadas instigantes discussões entre algumas das maiores promessas da nova geração de teóricos que vem por aí. Tive a satisfação de poder presidir a esses debates e, agora, de reunir, depois de difícil seleção, seis ensaios de excelente qualidade sobre o tema da crítica e do intelectual. O dossiê começa com o texto de Cléber Araújo Cabral, que investiga a situação e a prática da crítica literária no Brasil hoje. Constatando seu estado de esterilidade, indaga-se sobre os motivos desta e sobre os modos de “fomentar o atrito e a tensão crítica” no cenário atual. Em seguida, temos dois textos que repensam o modernismo brasileiro – uma das pedras de toque de nossa crítica – do ponto de vista da criação de novas balizas para a reflexão sobre o fenômeno literário e a atuação do intelectual no país. Larissa Agostini Cerqueira faz o balanço das contribuições do modernismo para a literatura e a crítica brasileiras, a partir da obra de Mário de Andrade, enquanto Valdeci da Silva Cunha focaliza a figura de Oswald de Andrade no período pós-modernista, buscando delinear a sua autorrepresentação como intelectual engajado em questões políticas. Um quarto ensaio, de autoria de Luciene Pereira, une dois textos produzidos em momentos diversos – a segunda metade do século 19 e os meados do século 20 – sob o enfoque da modernidade e da desconstrução das grandes narrativas de que fala Lyotard. Se o desmoronamento dessas narrativas já pode ser entrevisto em um relato de viagem oitocentista pelo sertão brasileiro, a ficção de Guimarães Rosa proporia um abandono da “estrada real” que é o grand récit pelas veredas incertas de um narrador não canônico. Imara Bemfica Mineiro reflete, em seu texto, sobre a delimitação entre literatura, teoria e crítica através das reflexões do argentino Macedonio Fernández. Justamente a separação entre os três âmbitos seria, segundo a postura que Imara identifica em Macedonio, o que poderia levar a uma falência da crítica, a sua inanição. Levando a discussão para o terreno das artes plásticas – terreno esse marcado pela crescente dependência do mercado como instância crítica valorativa e canonizante – Júlia Rebouças vê a produção artística assumindo uma posição subalterna diante da poderosa intervenção da curadoria. Pergunta-se, então, até que ponto os limites da interferência na criação não estão sendo extrapolados. Em comum, os seis autores têm não apenas o mote – a perda de incisividade do intelectual e do crítico – mas também o fato de que seus textos dirigem-se para o futuro, em lugar de deter-se na análise do passado e constatação das aporias do presente. Com toda certeza, os leitores sentir-se-ão estimulados pela competência e energia argumentativa dos artigos que se seguem.

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Em Tese
ISSN 1415-594X (impressa) / ISSN 1982-0739 (eletrônica)


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