Musa impossível: desencanto e reencanto na sátira romântica de Bernardo Guimarães e Luiz Gama// Impossible muse: disenchantment and reenchantment in Bernardo Guimarães’ and Luiz Gama’s romantic satire

Arthur Katrein Mora

Resumo


Resumo: Amiúde relacionados à geração de poetas boêmios alcunhada “cancioneiro alegre” da época romântica (FRANCHETTI, 1987), Bernardo Guimarães (1825-1884) e Luiz Gama (1830-1882) dispõem, entre si, afinidades poéticas que se manifestam, conforme propomos no presente artigo, não somente nos arranjos formais e temáticos de sua sátira, mas no sentido que ambos conferem à prática poética moderna e seu papel em meio à proeminência estético-cultural do Romantismo no século XIX. Mediante análise do legado devido à sátira latina e gregoriana (HANSEN; MOREIRA, 2013) nos versos de Poesias (1865) e Primeiras trovas burlescas de Getulino (1859), reconhecemos nestas obras os sintomas da visão de mundo romântica, orientada por projeções nostálgico-utópicas, expressas tanto em desencanto melancólico, como em revolta e insubordinação perante as rupturas causadas pelo racionalismo e pelo progresso capitalista (LÖWY; SAYRE, 2015). O manuseio do humor permite aos poetas lamentar a condição impossível da Musa em semelhante contexto, mesmo enquanto troçam a ira desta deidade para com os vates, cuja artificialidade fundamenta novas relações entre a arte e vida, e divertem-se às custas de sua própria Weltanschauung romântica.

Palavras-chave: poesia brasileira; romantismo; sátira; Bernardo Guimarães; Luiz Gama.


Abstract: As figures often attached to a generation of bohemian romantic poets (FRANCHETTI, 1987), Bernardo Guimarães (1825-1884) and Luiz Gama (1830-1882) reveal a poetic affinity that, as proposed in this essay, does not limit itself to the formal and thematic compositions of their satires, but engages with the deeper meanings of poetic practice as it relates to the modern, prevailing aesthetic of Romanticism in the XIXth Century. Owing partly to the legacy of Ancient Latin and colonial-baroque satires (HANSEN; MOREIRA, 2013), Guimarães’s Poesias (1865) and Gama’s Primeiras trovas burlescas de Getulino (1859) manifest in its verses the symptoms of the romantic worldview, inclined towards nostalgia and utopia, and expressed simultaneously as a melancholy disenchantment and a revolt against the ruptures of rationalism and the establishment of capitalism (LÖWY; SAYRE, 2015). This wielding of farce and humor by the poets allows them to lament the impossible condition of the Muse in such a context, while mocking her ire against the bards who represent the profound artificiality of these new relations between art and life, laughing at the expense of their own romantic Weltanschauung.

Keywords: Brazilian poetry; romanticism; satire; Bernardo Guimarães; Luiz Gama.


Palavras-chave


poesia brasileira; romantismo; sátira; Bernardo Guimarães; Luiz Gama; Brazilian poetry; romanticism; satire

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DOI: http://dx.doi.org/10.17851/2358-9787.31.4.160-187

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